segunda-feira, 26 de março de 2012

O novo Prometeu

Era uma vez um homem. Ele não tinha nome, porque não queria ser identificado pelos seus semelhantes. Dizia não ter pais, porque não queria ser rastreado, nem parentes, porque não queria que o estudassem a partir da observação dos seus co-sanguíneos. Ele gostava de liberdade. Gostava da transgressão. Gostava de tudo. Bom, de tudo, menos dos seus semelhantes, razão pela qual ele se escondia.

Seus iguais falam e julgam, e alguns dos seus iguais falam a verdade. Para ele não tinha conversa: A verdade e a mentira doíam de igual forma. Ele teve, então, uma idéia. Ele notou que sua sede de liberdade (e de libertinagem) advinha de um fogo. Um fogo ao qual quase todo mundo estava propenso. Ele desejava que este fogo controlasse tudo, ou seja, que ele pudesse fazer o que quisesse sem ser molestado por julgamentos, sejam eles justos ou injustos.

Este homem notava, também, que havia pessoas que não se sujeitavam a este fogo. Eram os maiores idiotas, segundo ele, porque não viviam a vida como ele. Ele se julgava o portador do fogo vivificante. Resolveu, então, queimar o mundo todo com o seu fogo. Tocava-o em tudo e em todos, e espalhava a sua desvairagem. Alguns se queimavam, outros não.

Até que um dia, uma grande chuva caiu sobre a terra, e todos aqueles que se deixavam queimar por aquele fogo ficaram desolados, pois aquele fogo já havia se extinguido, e com ele todo sentido da sua vida. Já não havia mais o fogo e aquele homem, que viveu parte de sua vida incendiando o mundo com as suas sandices, já não conseguia acender o fogo, pois o seu tempo já havia passado. Colocando toda a razão do seu ser naquele ígneo plasma, já não via mais razão de viver. Tentou, então, acabar com a sua própria vida, numa atitude egoísta e covarde, mas ao tentar fazê-lo, caiu do céu um raio, e quando percebeu, um ser o carregava pelo cabelo, levando-o para o alto de um monte.

Este ser o levava, segurando o homem pelos seus cabelos na mão direita. Na sua mão esquerda, trazia uma tocha que ardia com aquele mesmo fogo amado pelo homem. Chegando ao alto do monte, o ser amarrou aquele homem no monte, e quando terminou de amarrá-lo, ouviu do homem o seguinte:

-"Ei! Dá-me este fogo! Vivi minha vida devotado a este fogo, e quando o perdi, notei sofrimento que enfermo ou moribundo algum jamais sentiu. Tu, de aparência tão bela, não me negues esta piedade, que é tão bela quanto a tua forma!"

Aquele ser falou:

-"Pois eis que não te negarei. Mas não por piedade, e sim pelo designio que cumpro por ordens que me são muito superiores. Eu tocar-te-ei com este fogo iníquo, e tu, por algum tempo terás alívio. Mas logo cairá a chuva, e passarás anos em agonia. Passando este tempo, voltarei para tocar este fogo em ti, e um pouco mais de alívio sentirás. Logo, cairá a chuva e mais incômodo virá a morar em tua alma. De modo que, por séculos, ou talvez milênios, cumprirás esta pena. Entretanto, chegará a hora que nem mesmo o temporário fogo, que te queimará em intervalos, te fará mais feliz. Aí descobrirás que não cabia a ti incendiar o mundo com as tuas iniquidades, e chegará assim a tua pena final: a indiferença eterna ao teu estado. Nada te fará feliz, serás tomado pela tristeza e pelo ódio, e um dia, talvez um dia, me seja ordenado que eu te leve para junto de outros que, como tu, espalharam aquilo que não era para ser espalhado. Eles congregam nas trevas, e cada um passou pelo que vais passar, diferindo de ti apenas na forma específica que cada um usou para praticar coisas más na Terra. Toma o teu fogo, sacia-te enquanto ainda podes sentir a saciedade."

O homem então, falou:

-"Diz ao teu senhor, então, que não é preciso que ele mande a chuva. Minhas lágrimas hão de apagar o fogo."

Daquele momento em diante, tormenta sem fim caiu sobre o homem. O que acontecerá com ele depois dos ciclos quase infinitos de sofrimento? Bom, isto não sabemos. Mas disto, tiremos uma boa lição: Não amem o fogo que julgais conhecer bem. Pois ninguém conhece bem o fogo, a não ser aquele que queima eternamente nele, e não há outro destino para quem brinca com fogo, a não ser a queimadura cíclica, sem fim.

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