sexta-feira, 13 de abril de 2012

Onde é que tu estás? (Mutatis Mutandis em si)

Onde é que tu estás?

Quando eu desperto e não consigo enchergar-te ao meu lado?
Quando em vão desenterro alegorias e símbolos para te explicar a mim mesmo?
Quando em meu próprio altar sacrifico sinapses, desejando tua volta?
Quando eu percebo que não tenho teu afago, nem posso sentir tua pele com o meu toque?

Onde é que tu estás?

Quando me perguntam sobre o momento em que eu vou te encontrar?
Quando me indagam sobre quando contigo irei casar?
Quando eu fantasio estar no lugar daquele que contigo está?
Quando eu sonho contigo e com o paraíso, mas nem um, nem outro está onde deveria estar?

Eis uma questão delicadíssima. Eu estendi minha mão para ti, Lia, mas tu não a seguraste. Quantas perguntas quiméricas e quantos devaneios malignos tomaram conta de mim quando eu atribuí a ti qualidades virtuais, que eu não sabia se existiam! Mas isto tudo é porque eu não sei mais quem tu és. Eu não sei mais aonde tu estás. Os séculos deram-te outra forma. E eu passei tanto tempo a te imaginar. Passei tanto tempo desenvolvendo uma teoria de ti. Tornei-me o maior e mais proeminente teórico de ti, mas quando fui praticar-te a ti, percebi que és pura potência, sem ato algum. E assim, talvez seja possível que tu não tenhas mudado de forma meramente, como um raro acidente: talvez tu seja a própria mudança, a antropomorfização cabal do mutável: mutatis mutandis em si.

Portanto, como posso eu ter algo contigo, amada Lia, a quem devotei anos de minha vida sem receber de volta um único suspiro? Esconjurado está aquele que tomar esta pergunta como um lamento: não se lamenta por algo que é eterna mudança, pois se assim eu procedo, o lamento se torna inútil e sem razão de ser à medida em que aquilo que provocou o lamento já não existe mais, tornando até mesmo a lembrança daquele não-mais-existente ser algo completamente ilógico. É como se eu lamentasse a morte do hipopótamo cinza de listras cor de laranja.

Ah, Lia... Deve ser ruim para ti perceber que tu, Mutatis Mutandis em si, é incapaz de admirar a rocha firme do ato. Quando consegues fazê-lo, já não és mais aquela Lia, e sim outra Lia, que contempla e logo se aniquila. E é aí que, percebendo que és um camaleãozinho difícil de se enxergar, respondo a minha pergunta inicial. "Onde é que tu estás?" Em nenhum lugar, já que és potência pura, e onde estás agora, em um microsegundo depois já é lugar de um outro ser.

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