domingo, 15 de abril de 2012

Gunther, o guerreiro da razão, parte 3: O menino pobre de Bizâncio

Após andar entre montanhas e florestas, Gunther caminhava, mais alegre do que nunca, em busca do seu ponto final. Chegando num estreito, negociou com um marinheiro a sua travessia, oferecendo duas moedas de ouro que achara no meio da floresta. Não era muito seguro andar por entre as árvores, e nem era raro que houvesse assaltos e roubos. Possivelmente, essas duas moedas foram involuntariamente esquecidas pelos meliantes, que deixaram-nas cair na hora tão "apavorante" do ato ilícito.

Era ela, a velha Bizâncio dos Otomanos. A casa de Sofia lhe acenava, mas ali não era o ponto final do nosso aventureiro nórdico. Ele passava pela cidade, de modo que o caminho que tomava daria na belíssima jóia do Oriente, a bela Damasco da Síria. Entretanto, neste Caminho Gunther viu coisas terríveis.

Viu os otomanos  perseguirem uma moça pelo simples fato de ela usar no pescoço um ornamento em que duas pequenas hastes eram ortogonalmente transpostas. Imediatamente desembainhou a espada e foi ter com os vis agressores. Matou dois que estavam na iminência de tirar a vida da pobre jovem, e lhe facilitou a fuga. A jovem lhe sorriu e disse umas palavras que, lamentavelmente, não puderam ser compreendidas por Gunther, embora tivessem provocado também um sorriso na boca do nosso amigo guerreiro, que infelizmente teve de interromper o momento de ternura para escapar das mãos assassinas dos otomanos.

Tendo provocado a ira dos inimigos, Gunther, vendo-se em ampla desvantagem numérica, correu. Atravessou boa parte da cidade tendo seus contendores atrás dele,  a não muitos metros de distância. Até que, passando por um bairro pacífico, foi puxado para dentro de uma casa por uma mão misteriosa. Virando-se disposto a decepar a pessoa que o havia puxado, interrompeu a trajetória na hora quando percebeu que se tratava de um menino. Um menino de olhar extremamente imponente e pacífico ao mesmo tempo. Surpreendentemente, o menino falava o idioma de Gunther, e disse-lhes as seguintes palavras:

-Decerto és do norte. Aprendi teu idioma com um mercador que por aqui passou, há muito tempo. Vem, esconde-te aqui, os soldados irão embora e tu depois poderás seguir tua viagem. Mas diga-me: tens aí algo de comer? tenho fome, e tudo que tenho é este vasinho com água. Que me dizes? repartes comigo tua comida, e eu reparto contigo a minha água!

Com um sorriso, Gunther tirou de uma "trouxinha" feita de pano metade de um peixinho assado que economizara da noite passada. Deu ao menino, indicando com as mãos que não queria comer daquele peixe, que o jovenzinho poderia comê-lo todo. O jovem, por sua vez, disse:

-Homem de bom coração! Agora entendo porque protegestes minha amiga não muito longe daqui. Vejo que és diferente do resto do teu povo, o livro que carregas contigo é outro sinal claro. Toma, bebe desta água e vai! Os soldados já foram embora.

Gunther intrigou-se um pouco sobre como aquele menino poderia saber de quando ajudou a pobre moça a fugir, mas mesmo assim bebeu a água, e percebeu que em sua boca sentia-se um sabor, um sabor de uva. Espantou-se e lembrou-se de seu livro, de um trecho que tinha alguma ligação com o que acabara de ocorrer. Gunther tomou mais um pedaço de pele de carneiro, sua pena com a ponta embebida em tinta, e escreveu:

Gloria ad filium!

No mesmo instante em que mostrou a mensagem ao menino, o menino tocou-lhe o coração com a mão e saiu correndo daquela casa. Gunther novamente achava-se extasiado com este novo acontecimento inusitado. E cada vez que pensava no anterior, e neste, crescia sua força de ir até o destino final. Percebeu então, que o cantil de água dado pelo menino estava em suas mãos. Foi beber um pouco mais daquele vinho, mas quando percebeu, viu que era água, como era de ser da primeira vez. Não se importou e bebeu toda a água, e saiu caminhando seguro por Bizâncio, sem que ninguém ousasse levantar um só dedo contra ele. Voltava o nosso amigo nórdico à sua jornada, que parecia estar blindada a todo tipo de maldade ou iniquidade...





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