Carta encontrada ao lado do leito de Carolina, antes que ela entrasse em coma.

"A vida não é fácil. Entretanto, quando nós buscamos a nossa completude nas coisas erradas, ela não é apenas difícil, mas insuportável. Essa é a minha história: Carolina, 29 anos. Desde os 17, por influência de amiguinhas de escola, entreguei-me à vaidade e à futilidade típicas das meninas desta época. Adorava ver as fofocas nos jornais, os meninos bonitos da minha sala de aula e das outras (os mais velhos). Isto me levava a vaidades e ao vício de comprar roupas, cosméticos e sapatos sem nenhum auto-controle.
Esqueci-me como era ser humano. Às vezes eu pensava algumas frases prontas do tipo "a sua inveja é do tamanho do meu sucesso", "se há pedras no meu caminho, eu as colherei e com elas farei meu castelo", "contra olho gordo, colírio diet", e isto era o máximo que minha mente obtusa podia alcançar. Como consequência desta patetice, eu não gostava de me misturar com gente que não fosse "chique" que nem eu. Também amava os cantores "gatinhos" do momento, que cantavam coisas fofinhas em letras pateticamente escritas para colher dinheiro de fãs histéricas incautas e fúteis. E como eles enriqueceram! E desapareceram tão rápido quanto enriqueceram...
Se eu ficava triste, eu comia uma barra de chocolate, ou um potinho de sorvete. Por vezes, minhas tristezas e angústias me custavam uma blusinha, um shortinho, uma calça jeans ou um perfume "do momento". A euforia vinha por um instante, e logo sumia. Eu não entendia bem, achava que a felicidade era uma coisa que vai e vem rapidamente, não conseguia enxergar além disso. Eu trabalhava, pois estudei na universidade particular que meu papai pagou para mim com tanta boa vontade e me qualifiquei. Algumas de minhas amigas, tão fúteis quanto eu, conseguiam estudar nas universidades públicas, mas eu, naquele instante, achava que a universidade pública era coisa de pobre metido a inteligente, e quis estudar com gente da minha estirpe. Minhas amigas sabiam conciliar o que para mim era uma tragédia (estudar com a ralé), mas na minha cabeça aquilo não entrava.
Nos finais de semana, eu gostava de sair. Como nem todo lugar tocava as músicas dos meus gatinhos cantores, eu me contentava com o ritmo do gueto. Sabe como é, não é?
"É som de preto, de favelado, mas quando toca, ninguém fica parado", dizia uma daquelas canções (se é que eu posso, agora, chamar aquilo de "canção"). Então eu saía para dançar. Mas, ficar perto daquela gente? Não, preferia ficar nos locais separados para quem quer curtir com conforto, boa comida e boas bebidas.
Minha vida seguia neste ritmo até alguns dias atrás, quando, na faculdade, desmaiei, dada minha pressão baixa (herança de minha mãe). Há três dias estou em observação em meu quarto, que foi adaptado para que eu pudesse estar internada aqui mesmo em minha casa. Os médicos estão fazendo exames para diagnosticar o que tenho, mas por enquanto nada sei. Há duas horas atrás, um homem apareceu na janela de meu quarto, do lado de fora de minha casa, e me disse: "Menininha bonitinha, que parece uma boneca: O que houve? Por que você está tão abatida?". Expliquei-lhe o que havia acontecido. Ele então disse: "Sei. Problemas de saúde podem ser um fardo pesado para se carregar quando não se sabe quem é, e para que se está neste mundo. E você, sabe quem você é, e para que vive?"

Naquele momento, um silêncio profundo tomou conta daquela situação. Pensei em tudo aquilo que eu gostava de fazer, e vi uma futilidade tão grande, que uma lágrima escorreu dos meus olhos. Eu, que pensava que fazia grandes favores para mim mesma, como me cuidar, comprar coisas bonitas, comprar coisas legais, fomentar uma linda imagem diante da sociedade. Esqueci-me de enriquecer a mim mesma, a minha alma. Eu era tão vazia, que bastou que uma pessoa nobre e virtuosa me fizesse uma simples pergunta, para que eu me perdesse no enorme vácuo da minha mente, e do meu espírito. Ele então pediu-me que eu escrevesse uma carta sobre toda minha vida, e esta folha de papel em que você, leitor desconhecido, lê agora, é a missiva prometida. O homem disse que depois voltaria para buscá-la, e que iria, compreendendo-a, me ajudar a ser uma pessoa melhor, assim que eu estiver saudável novamente.
Termino esta carta desejando que eu possa ter mais vida para refazer tudo. Eu precisei que uma pessoa desconhecida me abrisse os olhos para os meus vícios de "barbie girl", e me fizesse atentar para aquilo que realmente tem valor neste mundo: o enobrecimento e a virtude, aquilo que eu não entendia bem há pouco tempo atrás, que eu achava que era baboseira de filósofos e desocupados. Que Deus me ajude!
Carolina Vieira"